(este artigo foi elaborado por Ari M. Siqueira e postado por Marcos Silva, por questões técnicas momentâneas)
Neste segundo capítulo da série sobre telescópios espaciais, examinaremos os telescópios capazes de registrar as emissões de mais alta energia do Universo, a Radiação Gama e os Raios X, e como os astrônomos amadores podem utilizar os dados de suas observações.
Os Raios Gama são radiações eletromagnéticas com frequências acima de 3×1019 Hz (30 exa hertz) e energia superior a 100 keV, com comprimentos de onda menores do que 10 picômetros (pm, 10-12 m). (1)
A faixa de frequência e energia dos Raios Gama não possui um limite superior bem definido. Os Raios Gama que alguns sistemas como o Cherenkov Telescope Array Observatory (CTAO) poderão detectar são cerca de 10 trilhões de vezes mais energéticos do que a luz visível. (2)
Nota: Os Raios Gama que o CTAO detectará não chegam até a superfície da Terra
pois interagem com a atmosfera, produzindo cascatas de partículas subatômicas e
criando um flash azul de “luz Cherenkov”. Através do ar, a luz viaja 0,03% mais
devagar do que no vácuo. Assim, através da atmosfera, essas partículas de
energia ultra-alta podem viajar mais rápido que a luz. Embora a radiação
Cherenkov se espalhe por uma área de cerca de 50.000 m2, a cascata
dura apenas alguns bilionésimos de segundo. É muito fraca para ser detectada
pelo olho humano, mas não para o CTAO.
Os Raios X
têm comprimentos de onda que variam entre 0,01 e 10 nanômetros e correspondem a
frequências na faixa entre 3x1016 Hz (30 petaHertz) e 3x1019
Hz (30 exaHertz), com energias na faixa entre 100 eV e 100 keV e comprimentos de
onda entre 10-9 m (10 nm) e 10-12 m (10 pm). (3) Os comprimentos de onda dos Raios X são,
portanto, mais curtos do que os dos Raios UV e mais longos do que os dos Raios Gama. Os Raios X não penetram através da atmosfera, só podendo ser observados
na alta atmosfera ou no espaço, o que torna indispensável o lançamento ao
espaço de detectores específicos.
Talvez você
se pergunte: o que os telescópios espaciais de Raios Gama e Raios X têm a ver com os
astrônomos amadores os quais, com seus telescópios ópticos, observam as estrelas
através das suas emissões de luz entre 400 e 700 nm (frequência entre 7,5 e 4,3
x 1014 Hertz, energia entre 3,1 e 1,8 eV), que podem ser detectadas pelos
nossos olhos e pelos sensores CCD e CMOS comuns, entre o ultravioleta próximo e
o infravermelho?
Para
responder a essa pergunta, vamos recordar as origens dos Raios Gama e Raios X
cósmicos.
Vários
tipos de objetos astrofísicos emitem Raios X. (4) Eles incluem aglomerados de galáxias, buracos negros em núcleos galácticos
ativos (AGN), objetos galácticos como remanescentes de supernovas, estrelas e
estrelas binárias contendo uma anã branca (estrelas variáveis cataclísmicas e
fontes de Raios X super-soft),
estrelas de nêutrons ou buracos negros (binários de Raios X).
Os Raios Gama podem originar-se de galáxias ativas, pulsares e remanescentes de
supernovas. As fontes mais poderosas dessa faixa espectral de energia eletromagnética são as
explosões de Raios Gama (Gamma Ray Bursts, GRBs), eventos imensamente
energéticos observados em galáxias distantes. (5) Eles são os eventos eletromagnéticos mais energéticos e luminosos que se
conhece. As rajadas de Raios Gama provenientes de GRBs podem durar de dez
milissegundos a várias horas. Após um flash inicial de Raios Gama, um
"resplendor" de vida mais longa geralmente é emitido em comprimentos
de onda mais longos (Raios X, luz ultravioleta, luz visível,
infravermelho, microondas e rádio). Exatamente nesse momento é que surge uma
excelente oportunidade para os observadores equipados com telescópios
ópticos de pequeno porte, ao alcance dos amadores.
Em 25 de julho de 2003, Berto Monard, de Pretória, África do Sul, tornou-se o primeiro astrônomo amador a descobrir o brilho residual visual de uma explosão de Raios Gama. (6, 7) Monard identificou o objeto em seu observatório particular, sete horas após a explosão inicial. Denominado GRB 030725, o evento foi detectado pelo telescópio espacial High Energy Transient Explorer-2 (HETE-2), que imediatamente transmitiu suas coordenadas aproximadas para astrônomos em todo o mundo. A American Association of Variable Star Observers (AAVSO) enviou as coordenadas para seu próprio exército mundial de astrônomos amadores por meio da Rede Internacional de Alta Energia. Monard é um observador ativo de variáveis cataclísmicas e um talentoso astrônomo amador com 10 descobertas de supernovas em seu currículo. Ele recebeu o alerta da AAVSO e foi inspecionar a área de busca de 30 arcmin (minutos de arco), onde a decrescente luminosidade estaria. Equipado com um telescópio Schmidt-Cassegrain de 300 mm de diâmetro e uma câmera CCD, Monard fez várias exposições de 45 segundos e as empilhou digitalmente. Seus esforços revelaram um objeto anômalo muito fraco perto da borda superior da área de busca, na constelação de Virgem, na posição com ascensão reta (R.A.) 20:33:59.47, e declinação (Dec.) −50:40:56.26 (J2000). A habilidade de Monard em superar os profissionais com sua descoberta veio de uma combinação de fatores, entre os quais sua preparação e oportunidade. Sua primeira vantagem foi a localização: GRB 030725 surgiu na constelação do Indo, colocando-o fora do alcance dos instrumentos do Hemisfério Norte. A descoberta também foi feita durante a Assembleia Geral da IAU em Sydney, Austrália, enquanto muitos astrônomos do hemisfério sul estavam longe de seus telescópios. A descoberta de Monard também serviu como uma afirmação da AAVSO High Energy Network. "Este é um exemplo perfeito de uma maravilhosa colaboração profissional", disse à época Janet Mattei, então diretora da AAVSO.
Em 20 de novembro de 2004 o telescópio do Neil Gehrels Swift Observatory (Swift) foi lançado ao espaço. Então, em 30 de março de 2008, a energia luminosa visível emitida um GRB foi detectada por um telescópio amador no Novo México, o Seeing in the Dark Internet Telescope, após a transmissão de um alerta automático que partiu do Swift. O objeto foi designado GRB 030329 e mapeado na constelação do Leão, na posição R. A. 10:44:50.0, Dec. 21:31:17.8 (J2000). (8)
![]() |
Neil Gehrels Swift Observatory
(Swift) |
Mais recentemente, em 9 de outubro de 2022, ocorreu a detecção do GRB 221009A, também conhecido como Swift J1913.1+1946, uma explosão de Raios Gama extraordinariamente brilhante e duradoura, observável opticamente por mais de 10 horas, também visualizada por astrônomos amadores, na posição R.A. 19:13:03.48, Dec. +19:46:24.6, na constelação Sagitta (Seta), a 2,4 bilhões de anos-luz.
Em conclusão:
Esses são apenas alguns exemplos da participação de astrônomos amadores,
geralmente observadores de estrelas variáveis, na detecção e caracterização
fotométrica de eventos astronômicos transitórios e com alta energia, de extrema
importância para a Astrofísica.
Atualmente,
os seguintes telescópios espaciais capazes de detectar Raios X e Raios Gama oriundos de GRBs e
outras fontes de alta energia eletromagnética se encontram em operação (para
saber mais sobre telescópios espaciais com detectores de Raios Gama e Raios X, siga os links abaixo ou aguarde o próximo capítulo desta série):
·
Astrorivelatore Gamma a Immagini LEggero (AGILE) – Raios X e Gama.
·
Astrosat – Raios X.
·
Chandra X-Ray Observatory – Raios X.
·
Fermi Gamma-Ray Space Telescope – Raios Gama.
·
Hard X-Ray Modulation Telescope
(HXMT - Insight) – Raios X.
·
Imaging X-ray Polarimetry
Explorer (IXPE) – Raios X.
·
INTErnational Gamma Ray Astrophysics Laboratory (INTEGRAL) – Raios X e Gama.
·
Monitor of All-sky X-Ray Image
(MAXI) – Raios
X.
·
Neil Gehrels Swift Observatory – Raios X e Gama.
·
Neutron Star Interior Composition
Explorer (NICER) – Raios X.
·
Nuclear Spectroscopic Telescope
Array (NuSTAR) – Raios
X.
·
Spektr-Roentgen-Gamma/Spectrum X-Gamma (SRG/SXG) – Raios X e Gama.
·
The X-Ray Multi-Mirror Mission (XMM-Newton) – Raios X.
Da próxima
vez que você observar os céus com o seu telescópio, permaneça atento
a eventuais alertas para a ocorrência de súbitas emissões de Raios Gama ou
Raios X. Você poderá ser o próximo astrônomo amador e o primeiro ser humano a
avistar o mais recente GRB. Se isso acontecer, prepare-se para a fama!
Referências:
1 Wikipedia. Gamma ray. https://en.wikipedia.org/wiki/Gamma_ray. Acessado em 16-Jan-2023.
2 Cherenkov
Telescope Array.
https://www.cta-observatory.org/. Acessado em 16-Jan-2023.
3 Wikipedia. X-ray. https://en.wikipedia.org/wiki/X-ray. Acessado em 16-Jan-2023
4 Giacconi, R &
Rosati, P. (2008) Cosmic_X-ray_sources, Scholarpedia, 3(4):4391.
http://www.scholarpedia.org/article/Cosmic_X-ray_sources. Acessado em 16-Jan-2023.
5 Peter Mészáros (2008). Gamma ray bursts theory. Scholarpedia, 3(3):4337. http://www.scholarpedia.org/article/Gamma_ray_bursts_theory. Acessado em 16-Jan-2023.
6 Tytell, D. (2003). Amateur discovers gamma-ray burst afterglow. Sky & Telescope.
https://skyandtelescope.org/astronomy-news/amateur-discovers-gamma-ray-burst-afterglow/. Acessado em 16-Jan-2023.
7 Pugliese, G. et al. (2005). The red optical afterglow of GRB 030725. A&A 439, 527–532. https://www.aanda.org/articles/aa/pdf/2005/32/aa2948-05.pdf. Acessado
em 16-Jan-2023.
8 Astronomy Magazine (2008). Gamma-ray burst detected. https://astronomy.com/news/2008/04/gamma-ray-burst-detected. Acessado em 16-Jan-2023.
9 Beatty,
J K. (2013) Brilliant GRB blastwith an
amateur twist. Sky & Telescope. https://skyandtelescope.org/astronomy-news/brilliant-grb-blast-withanamateur-twist/. Acessado em 16-Jan-2023.
10 Dickinson, D. (2013). Amateur Astronomer Catches Record Setting
Gamma-Ray Burst. Universe Today.
https://www.universetoday.com/102017/amateur-astronomer-catches-record-setting-gamma-ray-burst/. Acessado em 16-Jan-2023.
11 Wikipedia. GRB 221009A. https://en.wikipedia.org/wiki/GRB_221009A. Acessado em 16-Jan-2023.
12 Starr, M. (2022). Scientists Just Detected a Colossal Gamma-Ray Burst, And It's a Record-Breaker. Science Alert.
https://www.sciencealert.com/scientists-just-detected-a-colossal-gamma-ray-burst-and-its-a-record-breaker. Acessado em 16-Jan-2023.