Introdução
Entre os astrônomos amadores, as estrelas Novas são objeto
de grande interesse pelo principal motivo de serem estrelas que tem um
abrilhantamento efêmero e, sendo assim, as observações se revestem de uma
singularidade única e não repetitiva, na maioria dos casos. As ditas estrelas
Novas apresentam um aumento de brilho de várias magnitudes repentinamente, em
questão de um dia ou mais, quando se encontravam anteriormente em brilho
estável.
Entretanto, uma outra classe de estrelas apresenta um
comportamento inverso ao das Novas - por isso são chamadas também como Novas
reversas. São estrelas variáveis que caem de brilho repentinamente - algumas
diminuem mais de 10 magnitudes - e esta queda ocorre em questão de poucos dias
e de uma maneira imprevisível. Estas
variáveis atraem a atenção de muitos astrônomos amadores, que as observam dia
após dia, na expectativa de testemunhar
as chamadas 'crises de brilho', que são os episódios de enfraquecimento
súbito de brilho.
Estas estrelas são chamadas variáveis do tipo R Coronae
Borealis - RCBs.
São assim conhecidas em homenagem à primeira estrela deste
tipo a ser descoberta, no ano de 1795,
pelo astrônomo inglês Edward Pigott .
Quantas são
Atualmente são conhecidas apenas cerca de 150 variáveis
deste tipo na nossa Galáxia e algumas
nas Nuvens de Magalhães, enquanto a expectativa é de que existam pelo menos 1000 exemplares na Via-Láctea. As
RCBs ainda não descobertas podem estar do outro lado da nossa Galáxia e,
portanto, dificilmente serão observadas, pelo menos com a tecnologia atual.
É uma classe de estrela muito rara pois o estágio evolutivo
em que se encontram dura pouco mais de dez mil anos. Antes do início da prospecção de estrelas com
a utilização de satélites ou instrumentos remotos e da fotometria automatizada,
eram conhecidas apenas cerca de 50
variáveis RCB - até meados da década de 70.
A constatação de que uma determinada estrela pertence ao
tipo RCB demanda análise de observações anteriores, portanto da curva de luz, e
também de suas características espectrais.
Uma queda súbita de brilho e recuperação rápida, se não forem
observados mais episódios semelhantes, não
são suficientes para classificar a estrela como RCB. Variáveis Algol de longo
período – como BL Telescopii e OW Geminorum - apresentam comportamento
semelhante e só com observações continuadas foram reconhecidas como tal.
Não existem duas RCBs semelhantes; aliás, estrelas variáveis
pertencentes a uma mesma classe ou tipo sempre apresentam peculiaridades
próprias que as tornam únicas.
Sua observação continuada e persistente se torna de grande
interesse para o melhor conhecimento destes objetos, e a participação do
astrônomo amador atento é de grande valia para a comunidade científica.
Comportamentos atípicos em algumas destas estrelas, como queda de brilho em
patamares abaixo do previamente conhecido, se constituem em fatos novos
anteriormente não percebidos.
A maioria das RCBs adicionadas recentemente aos catálogos e
glossários de variáveis, como o Variable Star Index, possuem magnitudes muito
fracas, mesmo no máximo brilho, ou então não possuem uma amplitude notável, o
que torna a observação destes exemplares adequada a observadores muito
experientes e com instrumentos de grande porte.
Características
As variáveis RCBs são estrelas supergigantes amarelas, de
tipo espectral variado, principalmente F e G, em sua maioria. Suas atmosferas são pobres em
Hidrogênio e abundantes em Carbono e
Nitrogênio.
Acredita-se que as quedas
de brilho são causadas pela erupção de material carbônico vindo do
interior da estrela e que passa orbitar o astro, obscurecendo seu disco estelar
e, por conseguinte, diminuindo seu brilho aparente. Medidas realizadas no
comprimento de onda infravermelho demonstram que não há mudança de brilho da
estrela por baixo da fumaça de carbono, exceto variações devidas ao seu
movimento cíclico pulsatório.
Alguns estudos indicam que esta nuvem de fumaça situa-se na
fotosfera da estrela enquanto outra teoria sugere que ela se situa a uma distância
de 20 raios estelares. À medida que esta nuvem de carbono se dissipa, a estrela
recupera seu brilho original. Algumas crises de brilho podem durar anos ou
mesmo décadas, e a amplitude variação de brilho também não é sempre a mesma.
A maioria das RCBs apresenta, fora das crises de brilho, uma
variação cíclica que se parece com o
tipo das cefeídas. RY Sagittarri, por
exemplo, varia entre mag. 6.3 e 6.8 a cada 38 dias.
Existem atualmente duas teorias para explicar o estágio
evolutivo das estrelas RCBs.
Uma, bastante exótica,
sugere que estas estrelas são resultado da fusão de duas estrelas
anãs-brancas.
Uma outra teoria sugere que se tratam de objetos que
evoluíram a partir do estágio de estrela
central de uma nebulosa planetária em direção a uma fase efêmera de
supergigantes, classificada como ‘final helium shell flash’. De acordo com um estudo recente, a variável
FG Sagittae seria um notável exemplo de estrela atravessando esta transição
durante nossa existência, bem como também
a V4334 Sagittarii, conhecida como objeto Sakurai.
De todo modo, é possível que a diversidade de estrelas RCBs
seja consequência de uma variedade de mecanismos em sua formação, ainda não
totalmente entendidos pelos estudiosos.
A seguir, segue uma lista de estrelas RCB interessantes para
o acompanhamento visual.
R Coronae Borealis
Foi descoberta por Pigott em 1795. Em seu máximo brilho esta
estrela se situa em torno de 6ª. magnitude e durante as crises de brilho pode
cair até a 15ª. magnitude. Pode ser observada com binóculo em sua fase normal.
No gráfico acima
pode-se verificar a famosa crise de brilho que se iniciou em 2007, durando
quase oito anos. Somente em 2014 a estrela começou a se recuperar em direção ao
máximo, ficando ali por alguns meses e caindo novamente de brilho. Os pequenos
pontos em forma de triângulo invertido significam observações negativas
(estrela abaixo do limite instrumental) Cortesia
AAVSO.
RY Sagittarii
A confirmação de que RY Sgr era uma variável foi anunciada
em 1896 por Edward Pickering, após suspeitas levantadas por J. C. Kapteyn e
estudos realizados pelo coronel Markwick e pela senhora Williamina Fleming, de
forma independente. Em seu máximo brilho , RY Sagittarii pode ser observada com
binóculo, que será suficiente para perceber variações cíclicas nesta estrela da
ordem de meia magnitude.
Durante os últimos dez anos RY Sgr permaneceu inativa e sem
crises, e os aficionados por esta estrela já estavam imaginando que uma crise
iminente poderia começar a qualquer momento.
Subitamente, em outubro de 2019, sua queda de brilho foi
percebida por alguns observadores, entre os quais o brasileiro Alexandre
Amorim, que comunicou o fato à AAVSO.
Na curva de luz acima,
relativa aos últimos 82 anos, vemos diversas crises de RY Sagittarii e
percebe-se a queda sempre abrupta no seu brilho e a recuperação se dando de
forma mais gradativa, com idas e vindas. Cortesia AAVSO.
V854 Centauri
Inicialmente denominada de NSV 6708, esta brilhante estrela
austral do tipo RCB passou despercebida durante mais de século, sendo somente
identificada como tal no ano de 1986 pelos astrônomos Mc Naught & Dawes.
Placas fotográficas de patrulha de Harvard, obtidas entre
1913 e 1937 sugerem uma sucessão de crises de brilho superpostas. Embora não
haja muitos registros de brilho desta estrela anteriores à sua descoberta,
acredita-se que seja uma variável RCB muito ativa, tendo passado longos
períodos muito fraca em brilho. Talvez esta seja uma das razões de não ter sido
notada anteriormente.
V854 Centauri é a terceira estrela deste tipo mais brilhante
no firmamento, ficando atrás somente de R CrB e RY Sgr. Em seu brilho máximo,
esta variável se situa em torno da sétima magnitude e durante as crises de
brilho pode cair até a 15a. mag.
Curva de luz da então
NSV6708 desde 1987. Percebe-se a grande atividade desta RCB, com sucessivas
crises de brilho, na maioria ultrapassando a 14ª. magnitude. A recuperação de
brilho é igualmente rápida. Cortesia AAVSO.
UW Centauri
Esta é uma RCB austral situada próxima ao braço esquerdo do Cruzeiro do Sul, portanto
fácil de ser encontrada. Em seu máximo situa-se em torno da 9ª. magnitude.
Quando cai de brilho, pode chegar à 17ª. magnitude, estando, portanto, ao
alcance apenas de instrumentos de grande abertura nesta ocasião.
A curva de luz acima
apresenta a variação de brilho de UW Cen nos últimos cinqüenta anos. Vê-se que
é uma RCB muito ativa e que permaneceu em brilho fraco entre os anos de 1997 a 2006. Em junho de 2019 iniciou uma nova
crise. Cortesia AAVSO.
S Appodis
Esta é uma variável RCB bastante austral e relativamente
brilhante no máximo brilho - 9a. magnitude. Encontra-se em um campo visual de
pouca dificuldade, cerca de 3,5° ao sul de gama Trianguli Austrini. Nos últimos
32 anos, por exemplo, S Appodis só experimentou 7 crises de brilho, sendo que a
última começou no final de 2018 e terminou em agosto de 2019. No mínimo de
brilho S Aps é bem fraca, chegando à 17ª. magnitude.
Curva de luz de S
Appodis nos últimos 32 anos. Cortesia AAVSO.
V Coronae Australis
Nos últimos 60 anos V Coronae Australis tem passado por
grande atividade, com inúmeras crises, onde chega a quase 17a. magnitude. Desde
abril de 2007, esta RCB tem mantido um
comportamento irregular, com uma pequena recuperação em 2010 que durou um ano
para se completar. A partir de 2011 caiu novamente de brilho e não retornou até
hoje ao seu patamar máximo. Nos últimos anos, as observações visuais tem sido
muito escarsas.
Curva de luz de V CrA
nos últimos 60 anos. Cortesia AAVSO.
FG Sagittae
Embora não seja ainda considerada uma RCB, esta peculiar
variável tem atraído grande interesse dos estudiosos, por se acreditar que
esteja numa fase de transição em direção a se tornar uma integrante desta classe.
FG Sagittae é a estrela central da nebulosa planetária Henize 1-5 e desde agosto de 1992 vem apresentando sucessivas quedas e
recuperações de brilho, atribuídas a emissões de material carbônico,
semelhantes às RCBs.
Curva de luz de FG
Sagittae desde 1968. Cortesia AAVSO.
RS Telescopii
Esta variável pode ser observada com pequeno instrumental
quando se encontra próxima ao máximo brilho, com magnitude visual de 9.6. Está
muito próxima a uma estrela de magnitude 9.5, portanto as estimativas devem ser
cuidadosas. A última crise de brilho de RS Tel ocorreu no ano de 2013, quando
chegou quase à 15ª. mag. Portanto, pelo histórico de crises, pode ser que a
próxima ocorra em breve!
Curva de luz de RS
Telescopii desde 1963. Muitos mínimos não foram bem observados. Esta variável
tem sido muito pouco observada nos últimos anos. Cortesia AAVSO.
Bibliografia
W.A. Lawson
and P. L. Cottrell, The R Coronae Borealis star NSV 6708; Mount John University
Observatory, New Zealand
R Coronae
Borealis, Variable Star of the month, Kate Davis, AAVSO Technical Assistant,
Web - January 2000
Burnhan’s
Celestial Handbook, vols. I, II e III, Dover
Publications
R Coronae
Borealis variable, Wikipedia
Variable
Star Index, AAVSO
FG
Sagittae: a newborn R Coronae Borealis Star?, Guillermo Gonzalez, David L.
Lambert, George Wallerstein, Verne V. Smith e James K. McCarthy
The ever
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Karl D. Gordon, Warrick A. Lawson,
Michael J.
Wolff, D. L. Pollacco, and E. Furlan
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